Meshes Of The Afternoon (1943), dir. Maya Deren & Alexander Hammid
A arte (lato sensu, mas sobretudo a arte surrealista) arranca um incidente comum de seu contexto natural e o emancipa como uma força poética (oculta ou declarada). A narrativa visual em “Meshes Of The Afternoon” é composta por detalhes, imagens enquadradas, fragmentos destacados desse contexto natural que, numa concisão radical, negam e escancaram um mínimo de pistas necessárias para uma reconstrução coerente da realidade a partir da qual esses enigmáticos detalhes foram roubados.
A direção (e edição) de Maya Deren e Alexander Hammid é dotada de uma intuição visceral que alia esse deslocamento da realidade à instantaneidade das cenas furtivas que surgem sem esforço para transformar o incidente comum em imagens arrebatadoras. Esse deslocamento, no entanto, não é acidental. Ele surge como uma variação da justaposição (tão natural à linguagem surrealista): dois ou mais fragmentos incongruentes de uma realidade, extirpados e enxertados, criando uma nova existência.
Mas quão real é essa nova existência? Tanto quanto seus improváveis significados possam legitimar sua própria lógica (e essência). Ângulos excêntricos, objetos em foco, aproximações exageradas, enquadramentos ímpares, movimentos continuados e interrompidos — as luzes, sombras (e posteriormente o som) — , todos precisamente organizados mas sem deixar espaço para simulações, pois as diferentes dimensões caminham, suspensas e indecisas, com um mesmo propósito: deslocar-se dessa mesma realidade, desorientadora tanto psicológica quanto espacialmente.
A complexidade das imagens captadas e apresentadas de forma tão devastadora quanto bela se engendra em uma desilusão quase estéril: o real e o fantástico como elementos complementares em um díptico, imagens que atraem e repelem no espaço de um sonho verdadeiro — ou de uma vida falsa.