La Muerte De Un Burócrata (1966), dir. Tomás Gutiérrez Alea

felipe caparelli
2 min readSep 8, 2021

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Fruto de um ainda jovem cinema cubano (a ilha contava com uma tímida produção audiovisual nos anos pré-Revolução), “A Morte De Um Burocrata” não se intimida ao se apropriar de uma linguagem já estabelecida em Hollywood. Produzido no auge da Guerra Fria, o longa de Tomás Gutiérrez Alea teve o apoio do Instituto Cubano Del Arte Y La Industria Cinematográficos, que fomentava uma indústria já considerada “a mais poderosa e provocadora forma de expressão artística e o mais objetivo e difundido veículo de educação e divulgação de ideias ao público”.

Mesmo sem esconder as referências aos vizinhos norte-americanos — os efeitos por trás do funcionamento do maquinário criado por Paco (personagem cuja morte motiva a trama) são puro Chaplin e as cenas lamentáveis nos portões do cemitério após um desentendimento entre as personagens poderia ter saído diretamente de um filme d’O Gordo & O Magro — ou a reverência aos grandes mestres da sétima arte — Bergman, Kurosawa e Buñuel, entre outros, são citados ainda nos créditos iniciais — , a história do rapaz que enfrenta a quimera burocrática dos trâmites funerários de seu falecido tio consegue ser surpreendentemente original tanto em sua forma quanto em seu conteúdo — originalidade que ainda detém.

Com pouco mais de 80 minutos de duração, o filme apresenta suas ideias com uma clareza que contrasta de forma irônica com o enredo, um sem-fim de guichês, formulários, corredores e escritórios percorridos pelo protagonista Juanchín a fim de liberar a pensão deixada por seu tio Paco — identificado entusiasticamente nos minutos iniciais como um proletário — vitimado por uma geringonça industrial de sua própria criação. Sem abrir mão do humor, do drama, de algum suspense e, sobretudo, da função social do cinema, “A Morte De Um Burocrata” mostra que, mais urgente que o enfraquecimento das instâncias burocráticas é a criação de uma arte — e sociedade — verdadeiramente revolucionárias.

P.S.: Fiquei surpreso com o quanto o espanhol falado em Cuba se assemelha ao português brasileiro em sua fonética, morfologia e até mesmo no sotaque.

P.P.S.: As cenas noturnas gravadas no cemitério têm uma notável semelhança com aquelas de um também revolucionário diretor brasileiro

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